Didaquê, ou “Instrução dos 12 Apóstolos” (do grego Διδαχń) significa “doutrina”, “ensino” ou “instrução”; É um documento que até no meio cristão é pouco conhecido. Trata-se de breves instruções (doutrina) aos apóstolos – por isso o nome Didaquê.
Estima-se que os textos são anteriores a destruição do templo de Jerusalém, entre os anos 60 e 70 d.C. Ou seja, poucos anos após a morte e ressurreição de Jesus Cristo e, sendo assim, contemporâneo às cartas de Paulo e primeiros Evangelhos.
Acredita-se que o texto de Atos 2:42 refere-se à Didaquê, mas não há menção efetiva a seu respeito nos textos do Novo Testamento, embora a Didaquê cite textos que também podem ser encontrados nos evangelhos.
"É uma compilação anônima de diversas fontes derivadas da tradição viva, de comunidades eclesiais bem definidas". Willy Rordorf
Entre estudiosos há consenso que a Didaquê não tenha sido escrito pelos doze apóstolos, ainda que o título dele lhes faça menção. Ao que parece, é fruto da reunião de diversas fontes orais e escritas e que bem retratam a tradição das primeiras comunidades cristãs.
O texto foi mencionado por escritores antigos como por exemplo Eusébio de Cesareia que viveu no século III, em seu livro “História Eclesiástica”. [2]
A descoberta desse manuscrito na íntegra (em grego) ocorreu somente em 1873 em um mosteiro em Constantinopla (atual Istambul, Turquia): o chamado Codex Hierosolymitanus, um códice de 1056.
Devido a falta de autoria e mais referências históricas e textuais, a Didaquê é considerada um apócrifa, embora seja de grande valor histórico e teológico. No total, a Didaquê é constituída por 16 capítulos e contém recomendações a respeito do Evangelho de Jesus, citação do Pai Nosso e a afirmação do Apocalipse quanto a volta de Cristo. Apesar de ter sido redigido nos primórdios do Cristianismo, sua mensagem é válida para os dias de hoje.
Veja o que está escrito na Didaquê:
O Caminho da Vida e o Caminho da Morte
A Celebração Litúrgica
A Vida em Comunidade
O Fim dos Tempos
CAPÍTULO I
1. Existem dois caminhos: o caminho da vida e o caminho da morte. Há uma grande diferença entre os dois.
2. Este é o caminho da vida: primeiro, ame a Deus que o criou; segundo, ame a seu próximo como a si mesmo. Não faça ao outro aquilo que você não quer que façam a você.
3. Este é o ensinamento derivado dessas palavras: bendiga aqueles que o amaldiçoam, ore por seus inimigos e jejue por aqueles que o perseguem. Ora, se você ama aqueles que o amam, que graça você merece? Os pagãos também não fazem o mesmo? Quanto a você, ame aqueles que o odeiam e assim você não terá nenhum inimigo.
4. Não se deixe levar pelo instinto. Se alguém lhe bofeteia na face direita, ofereça-lhe também a outra face e assim você será perfeito. Se alguém o obriga a acompanhá-lo por um quilômetro, acompanhe-o por dois. Se alguém lhe tira o manto, ofereça-lhe também a túnica. Se alguém toma alguma coisa que lhe pertence, não a peça de volta porque não é direito.
5. Dê a quem lhe pede e não peças de volta pois o Pai quer que os seus bens sejam dados a todos. Bem-aventurado aquele que dá conforme o mandamento pois será considerado inocente. Ai daquele que recebe: se pede por estar necessitado, será considerado inocente; mas se recebeu sem necessidade, prestará contas do motivo e da finalidade. Será posto na prisão e será interrogado sobre o que fez… e daí não sairá até que devolva o último centavo.
6. Sobre isso também foi dito: que a sua esmola fique suando nas suas mãos até que você saiba para quem a está dando
CAPÍTULO II
1. O segundo mandamento da instrução é:
2. Não mate, não cometa adultério, não corrompa os jovens, não fornique, não roube, não pratique a magia nem a feitiçaria. Não mate a criança no seio de sua mãe e nem depois que ela tenha nascido.
3. Não cobice os bens alheios, não cometa falso juramento, nem preste falso testemunho, não seja maldoso, nem vingativo.
4. Não tenha duplo pensamento ou linguajar pois o duplo sentido é armadilha fatal.
5. A sua palavra não deve ser em vão, mas comprovada na prática.
6. Não seja avarento, nem ladrão, nem fingido, nem malicioso, nem soberbo. Não planeje o mal contra o seu próximo.
7. Não odeie a ninguém, mas corrija alguns, ore por outros e ame ainda aos outros, mais até do que a si mesmo.
CAPÍTULO III
1. Filho, procure evitar tudo aquilo que é mau e tudo que se parece com o mal.
2. Não seja colérico porque a ira conduz à morte. Não seja ciumento também, nem briguento ou violento, pois o homicídio nasce de todas essas coisas.
3. Filho, não cobice as mulheres pois a cobiça leva à fornicação. Evite falar palavras obscenas e olhar maliciosamente já que os adultérios surgem dessas coisas.
4. Filho, não se aproxime da adivinhação porque ela leva à idolatria. Não pratique encantamentos, astrologia ou purificações, nem queira ver ou ouvir sobre isso, pois disso tudo nasce a idolatria.
5. Filho, não seja mentiroso pois a mentira leva ao roubo. Não persiga o dinheiro nem cobice a fama porque os roubos nascem dessas coisas.
6. Filho, não fale demais pois falar muito leva à blasfêmia. Não seja insolente, nem tenha mente perversa porque as blasfêmias nascem dessas coisas.
7. Seja manso pois os mansos herdarão a terra.
8. Seja paciente, misericordioso, sem maldade, tranquilo e bondoso. Respeite sempre as palavras que você escutou.
9. Não louve a si mesmo, nem se entrege à insolência. Não se junte com os poderosos, mas aproxima dos justos e pobres.
10. Aceite tudo o que acontece contigo como coisa boa e saiba que nada acontece sem a permissão de Deus.
CAPÍTULO IV
1. Filho, lembre-se dia e noite daquele que prega a Palavra de Deus para você. Honre-o como se fosse o próprio Senhor, pois Ele está presente onde a soberania do Senhor é anunciada.
2. Procure estar todos os dias na companhia dos fiéis para encontrar forças em suas palavras.
3. Não provoque divisão. Ao contrário, reconcilia aqueles que brigam entre si. Julgue de forma justa e corrija as culpas sem distinguir as pessoas.
4. Não hesite sobre o que vai acontecer.
5. Não te pareças com aqueles que dão a mão quando precisam e a retiram quando devem dar.
6. Se o trabalho de suas mãos te rendem algo, as ofereça como reparação pelos seus pecados.
7. Não hesite em dar, nem dê reclamando porque, na verdade, você sabe quem realmente pagou sua recompensa.
8. Não rejeite o necessitado. Compartilhe tudo com seu irmão e não diga que as coisas são apenas suas. Se vocês estão unidos nas coisas imortais, tanto mais estarão nas coisas perecíveis.
9. Não se descuide de seu filho ou filha. Muito pelo contrário, desde a infância instrua-os a temer a Deus.
10. Não dê ordens com rudeza ao seu escravo ou escrava pois eles também esperam no mesmo Deus que você; assim, não perderão o temor de Deus, que está acima de todos. Certamente Ele não virá chamar a pessoa pela aparência, mas somente aqueles que foram preparados pelo Espírito.
11. Quanto a vocês, escravos, obedeçam aos seus senhores, com todo o respeito e reverência, como à própria imagem de Deus.
12. Deteste toda a hipocrisia e tudo aquilo que não agrada o Senhor.
13. Não viole os mandamentos do Senhor. Guarde tudo aquilo que você recebeu: não acrescente ou retire nada.
14. Confesse seus pecados na reunião dos fiéis e não comece a orar estando com má consciência. Este é o caminho da vida.
CAPÍTULO V
1. Este é o caminho da morte: primeiro, é mau e cheio de maldições – homicídios, adultérios, paixões, fornicações, roubos, idolatria, magias, feitiçarias, rapinas, falsos testemunhos, hipocrisias, coração com duplo sentido, fraudes, orgulho, maldades, arrogância, avareza, palavras obscenas, ciúmes, insolência, altivez, ostentação e falta de temor de Deus.
2. Nesse caminho trilham os perseguidores dos justos, os inimigos da verdade, os amantes da mentira, os ignorantes da justiça, os que não desejam o bem nem o justo julgamento, os que não praticam o bem mas o mal. A calma e a paciência estão longe deles. Estes amam as coisas vãs, são ávidos por recompensas, não se compadecem com os pobres, não se importam com os perseguidos, não reconhecem o Criador. São também assassinos de crianças, corruptores da imagem de Deus, desprezam os necessitados, oprimem os aflitos, defendem os ricos, julgam injustamente os pobres e, finalmente, são pecadores consumados. Filho, afaste-se disso tudo.
CAPÍTULO VI
1. Fique atento para que ninguém o afaste do caminho da instrução, pois quem faz isso ensina coisas que não pertencem a Deus.
2. Você será perfeito se conseguir carregar todo o jugo do Senhor. Se isso não for possível, faça o que puder.
3. A respeito da comida, observe o que puder. Não coma nada do que é sacrificado aos ídolos pois esse culto é destinado a deuses mortos.
CAPÍTULO VII
1. Quanto ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
2. Se você não tiver água corrente, batize em outra água. Se não puder batizar com água fria, faça com água quente.
3. Na falta de uma ou outra, derrame água três vezes sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
4. Antes de batizar, tanto aquele que batiza como o batizando, bem como aqueles que puderem, devem observar o jejum. Você deve ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias.
CAPÍTULO VIII
1. Os seus jejuns não devem coincidir com os dos hipócritas. Eles jejuam no segundo e no quinto dia da semana. Porém, você deve jejuar no quarto dia e no dia da preparação.
2. Não ore como os hipócritas, mas como o Senhor ordenou em seu Evangelho. Ore assim: “Pai nosso que estás no céu, santificado seja o teu nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão-nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai nossa dívida, assim como também perdoamos os nossos devedores e não nos deixes cair em tentação, mas livrai-nos do mal porque teu é o poder e a glória para sempre”.
3. Orem assim três vezes ao dia.
CAPÍTULO IX
1. Celebre a Eucaristia assim:
2. Diga primeiro sobre o cálice: “Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da santa vinha do teu servo Davi, que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre”.
3. Depois diga sobre o pão partido: “Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da vida e do conhecimento que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre.
4. Da mesma forma como este pão partido havia sido semeado sobre as colinas e depois foi recolhido para se tornar um, assim também seja reunida a tua Igreja desde os confins da terra no teu Reino, porque teu é o poder e a glória, por Jesus Cristo, para sempre”.
5. Que ninguém coma nem beba da Eucaristia sem antes ter sido batizado em nome do Senhor pois sobre isso o Senhor disse: “Não dêem as coisas santas aos cães”.
CAPÍTULO X
1. Após ser saciado, agradeça assim:
2. “Nós te agradecemos, Pai santo, por teu santo nome que fizeste habitar em nossos corações e pelo conhecimento, pela fé e imortalidade que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre.
3. Tu, Senhor onipotente, criaste todas as coisas por causa do teu nome e deste aos homens o prazer do alimento e da bebida, para que te agradeçam. A nós, porém, deste uma comida e uma bebida espirituais e uma vida eterna através do teu servo.
4. Antes de tudo, te agradecemos porque és poderoso. A ti, glória para sempre.
5. Lembra-te, Senhor, da tua Igrreja, livrando-a de todo o mal e aperfeiçoando-a no teu amor. Reúne dos quatro ventos esta Igreja santificada para o teu Reino que lhe preparaste, porque teu é o poder e a glória para sempre.
6. Que a tua graça venha e este mundo passe. Hosana ao Deus de Davi. Venha quem é fiel, converta-se quem é infiel. Maranata. Amém.”
7. Deixe os profetas agradecerem à vontade.
CAPÍTULO XI
1. Se vier alguém até você e ensinar tudo o que foi dito anteriormente, deve ser acolhido.
2. Mas se aquele que ensina é perverso e ensinar outra doutrina para te destruir, não lhe dê atenção. No entanto, se ele ensina para estabelecer a justiça e conhecimento do Senhor, você deve acolhê-lo como se fosse o Senhor.
3. Já quanto aos apóstolos e profetas, faça conforme o princípio do Evangelho.
4. Todo apóstolo que vem até você deve ser recebido como o próprio Senhor.
5. Ele não deve ficar mais que um dia ou, se necessário, mais outro. Se ficar três dias é um falso profeta.
6. Ao partir, o apóstolo não deve levar nada a não ser o pão necessário para chegar ao lugar onde deve parar. Se pedir dinheiro é um falso profeta.
7. Não ponha à prova nem julgue um profeta que fala tudo sob inspiração, pois todo pecado será perdoado, mas esse não será perdoado.
8. Nem todo aquele que fala inspirado é profeta, a não ser que viva como o Senhor. É desse modo que você reconhece o falso e o verdadeiro profeta.
9. Todo profeta que, sob inspiração, manda preparar a mesa não deve comer dela. Caso contrário, é um falso profeta.
10. Todo profeta que ensina a verdade mas não pratica o que ensina é um falso profeta.
11. Todo profeta comprovado e verdadeiro, que age pelo mistério terreno da Igreja, mas que não ensina a fazer como ele faz não deverá ser julgado por você; ele será julgado por Deus. Assim fizeram também os antigos profetas.
12. Se alguém disser sob inspiração: “Dê-me dinheiro” ou qualquer outra coisa, não o escutem. Porém, se ele pedir para dar a outros necessitados, então ninguém o julgue.
CAPÍTULO XII
1. Acolha toda aquele que vier em nome do Senhor. Depois, examine para conhecê-lo, pois você tem discernimento para distinguir a esquerda da direita.
2. Se o hóspede estiver de passagem, dê-lhe ajuda no que puder. Entretanto, ele não deve permanecer com você mais que dois ou três dias, se necessário.
3. Se quiser se estabelecer e tiver uma profissão, então que trabalhe para se sustentar.
4. Porém, se ele não tiver profissão, proceda de acordo com a prudência, para que um cristão não viva ociosamente em seu meio.
5. Se ele não aceitar isso, trata-se de um comerciante de Cristo. Tenha cuidado com essa gente!
CAPÍTULO XIII
1. Todo verdadeiro profeta que queira estabelecer-se em seu meio é digno do alimento.
2. Assim também o verdadeiro mestre é digno do seu alimento, como qualquer operário.
3. Assim, tome os primeiros frutos de todos os produtos da vinha e da eira, dos bois e das ovelhas, e os dê aos profetas, pois são eles os seus sumos-sacerdotes.
4. Porém, se você não tiver profetas, dê aos pobres.
5. Se você fizer pão, tome os primeiros e os dê conforme o preceito.
6. Da mesma maneira, ao abrir um recipiente de vinho ou óleo, tome a primeira parte e a dê aos profetas.
7. Tome uma parte de seu dinheiro, da sua roupa e de todas as suas posses, conforme lhe parecer oportuno, e os dê de acordo com o preceito.
CAPÍTULO XIV
1. Reúna-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer após ter confessado seus pecados, para que o sacrifício seja puro.
2. Aquele que está brigado com seu companheiro não pode juntar-se antes de se reconciliar, para que o sacrifício oferecido não seja profanado.
3. Esse é o sacrifício do qual o Senhor disse: “Em todo lugar e em todo tempo, seja oferecido um sacrifício puro porque sou um grande rei – diz o Senhor – e o meu nome é admirável entre as nações”.
CAPÍTULO XV
1. Escolha bispos e diáconos dignos do Senhor. Eles devem ser homens mansos, desprendidos do dinheiro, verazes e provados pois também exercem para vocês o ministério dos profetas e dos mestres.
2. Não os despreze porque eles têm a mesma dignidade que os profetas e os mestres.
3. Corrija uns aos outros, não com ódio, mas com paz, como você tem no Evangelho. E ninguém fale com uma pessoa que tenha ofendido o próximo; que essa pessoa não escute uma só palavra sua até que tenha se arrependido.
4. Faça suas orações, esmolas e ações da forma que você tem no Evangelho de nosso Senhor.
CAPÍTULO XVI
1. Vigie sobre a vida uns dos outros. Não deixe que sua lâmpada se apague, nem afrouxe o cinto dos rins. Fique preparado porque você não sabe a que horas nosso Senhor chegará.
2. Reúna-se com frequência para que, juntos, procurem o que convém a vocês; porque de nada lhe servirá todo o tempo que viveu a fé se no último instante não estiver perfeito.
3. De fato, nos últimos dias se multiplicarão os falsos profetas e os corruptores, as ovelhas se transformarão em lobos e o amor se converterá em ódio.
4. Aumentando a injustiça, os homens se odiarão, se perseguirão e se trairão mutuamente. Então o sedutor do mundo aparecerá, como se fosse o Filho de Deus, e fará sinais e prodígios. A terra será entregue em suas mãos e cometerá crimes como jamais foram cometidos desde o começo do mundo.
5. Então toda criatura humana passará pela prova de fogo e muitos, escandalizados, perecerão. No entanto, aqueles que permanecerem firmes na fé serão salvos por aquele que os outros amaldiçoam.
6. Então aparecerão os sinais da verdade: primeiro, o sinal da abertura no céu; depois, o sinal do toque da trombeta; e, em terceiro, a ressurreição dos mortos.
7. Sim, a ressurreição, mas não de todos, conforme foi dito: “O Senhor virá e todos os santos estarão com ele”.
8. Então o mundo assistirá o Senhor chegando sobre as nuvens do céu.
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